Os robots de cozinha vieram revolucionar a forma como cozinhamos. De repente passou a ser mais fácil recriarmos em casa alguns dos ingredientes processados que comprávamos no supermecado. Ou mesmo criar novos ingredientes, como farinhas de frutas e vegetais secos. Uma das conversões com que me tenho vindo a deparar e que eu própria faço é triturar flocos de cereais em farinha para usar em receitas. Mas será igual usar a farinha ou flocos triturados? 

Pela minha experiência, não, não é a mesma coisa, e os resultados podem ser subtilmente diferentes. No início não percebi porquê, mas depois de puxar pela minha cabeça, lá consegui chegar a uma plausível razão. 

Já vos falei anteriormente sobre a anatomia do grão de cereal, aqui e aqui.

grão de cereal

A farinha branca, seja de que cereal for, é essencialmente a zona do endosperma, com muito pouco ou mesmo sem qualquer parte da casca (farelo) e gérmen. Esta parte do grão é mais fácil de desfazer em farinha por meios artesanais e mecânicos. Quando a farinha é integral, é perceptível a olho nu, resquícios da casca e do gérmen, maiores e mais duros que a farinha em si, pois são mais difíceis de moer. 

O endosperma é também onde se encontram as proteínas. Como glúten no caso do trigo, espelta, cevada e centeio, ou a avenina, no caso da aveia, etc. Estas proteínas desempenham papeis importantes na confecção de receitas. Ajudam a “colar” as massas, de forma a que pães, queques e bolos não se desfaçam ao sair do forno. Para além disso, estas proteínas, umas melhor que outras, ajudam a reter as bolhas da fermentação, para um resultado mais fofo. O glúten é exímio nestas duas tarefas, as outras proteínas de cereais, não tanto.

Quando trituramos flocos de cereais ou mesmo grãos de cereais nos robots de cozinha em casa, nunca conseguimos obter o mesmo resultado que uma grande mó industrial. Também, e o caso de usarmos flocos grossos de cereais, estamos a incluir mais gérmen e casca, que nas farinhas integrais industriais. Havendo esta diferença de proporção de endosperma e casca e gérmen na farinha feita em casa, é normal notarmos algumas diferenças nos resultados nos cozinhados. As massas podem não ficar tão coesas, nem tão fofas. É normal numa receita de queques que peça farinha de aveia, ao usar flocos de aveia triturados, o queque desfaça-se mais e não cresça tanto.

Contudo, com flocos triturados temos um ingrediente muito mais rico, sobretudo em fibras!

Mas então, farinha ou flocos triturados?

Pessoalmente, dou usos diferentes a cada um destes ingredientes. No que toca a pastelaria, uso maioritariamente a farinha, para obter os resultados acima descritos: maior coesão das massas e massas fofas. Quando faço, por exemplo, mini-panquecas, opto pelos flocos triturados. Por serem pequenas, não requerem tanta “estrutura” na massa para ficarem coesas. 

É preciso especial atenção à tentação de fazer farinhas em casa e usar para tudo. Numa receita que peça farinha de um grão rijo, como o arroz por exemplo, para alguma etapa do processo, é conveniente perceber se no desenrolar da receita, esse grão/farinha terá oportunidade de cozinhar na totalidade. Por exemplo, se usarem farinha de arroz feita em casa para moldar croquetes, hambúrgueres  ou almôndegas, é possível que no final se sintam pequenos grãos de arroz na textura, o que é desagradável. Isto acontece, porque a farinha de arroz num robot de cozinha nunca fica com o grão totalmente desfeito. Também, muitas das vezes, não se consegue o tempo necessário, para que o grão cozinhe na integra. 

E nas papas caseiras? Pessoalmente, não vejo vantagem em desfazer grãos e flocos em farinha, para agilizar tarefas. Os flocos cozem muito rapidamente (cerca de 10-15 minutos) para além de podermos amplificar os seus benefícios através do demolhe de flocos inteiros, o que não acontece com a farinha.