Com tantas experiências, acabei por criar a minha própria receita de massa mãe ou fermento natural, que até agora não me tem falhado. Mas como já referi noutro post, só garanto sucesso desse lado se a vossa casa tiver condições ambiente muito parecidas com as da minha casa. Para referência, a minha cozinha (onde preparo e mantenho os meus iscos) ronda os 20-22º de temperatura, nesta altura do ano.

Recomendo que dê uma vista de olhos pelo post que escrevi com dicas para fazer fermento natural em casa, caso ainda não tenha passado por ele ainda.

Passo-a-passo para a massa mãe

Dia 1

Num frasco, ou taça de vidro, juntar 50g de farinha e 50g de água. Misture com o cabo de uma colher de pau.

Se usar centeio, trigo integral ou espelta integral, pode colocar até 70g de água, pois estas farinhas absorvem mais água.

Se usar espelta branca, trigo branco (T65 tem resultados mais rápidos que T55), mantenha os 50g de água rigorosos, pois são farinhas menos absorventes.

Reserve num local ameno, sem grandes variações de temperatura. Poderá ser o forno e caso a cozinha seja muito fria, pode deixar a luz do forno ligada.

Dia 2, 3, 4 

Se se formar água por cima da mistura, nesta fase inicial (sem actividade) quererá dizer que está a ser adicionada demasiada água à mistura (pode acontecer sobretudo em casas mais húmidas). 

Adicione 25g de farinha (uma colher de sopa cheia) e 20g de água (2 colheres de sopa rasas). Se a farinha for de centeio, trigo ou espelta integral, pode adicionar até 35g de água, caso sinta a mistura muito espessa ao misturar.

A partir deste dia faça uma marca no frasco, com marcador, fita-cola ou um elástico, pela linha do isco, para avaliar o crescimento do mesmo.

Dia 5

Caso ao dia 5 ou 6 ainda não tenha qualquer tipo de actividade (explicado abaixo), considere descartar uma parte da massa. Ou seja, retire cerca de 50g da massa mãe que tem e alimente essa porção com mais 50g de farinha e 50g de água. Por esta altura será o suficiente para activar o isco.

Como vamos adicionando todos os dias farinha e água, chegará um ponto que terá tanta massa mãe, que precisa de aumentar a dose de alimento. Consequentemente aumenta ainda mais o volume e necessitará sempre de mais alimento. Para evitar isso, programa-se um descarte de massa mãe por volta de dia 5, para que não termine este processo com excesso de massa mãe. 

Também, ao descartar e alimentar só uma parte da massa com o mesmo peso de farinha e o mesmo peso de água, está a impulsionar a cultura dos fermentos. 

Muitos fermentos ao dia 5 activam e não necessitam deste processo.

Dias seguintes

Continuar a alimentar como no dia 2, 3, 4  e descartar ao 10º dia, caso ainda não tenha activado. A massa mãe poderá levar até 15 dias a activar.

O que fazer ao descarte?

Não deite fora! Trate como se fosse água e farinha e utilize em várias receitas, como panquecas ou as nossas famosas crackers.

Como sei que a massa mãe está activa?

Só quando a massa mãe estiver activa, poderá ser utilizada para fazer pão. E como sabemos que está activa? Há 3 indicadores muito fortes que a massa pode estar activa:

  • bolhas grandes à superfície e em profundidade (textura esponjosa);

massa mãe

  • aumento de volume;

fermento natural

  • teste de flutuação (colocar uma colherada de isco num copo cheio de água e este flutuar).

massa mãe a flutuar

Contudo, apesar destes 3 indicadores serem muito fortes, não são unanimemente válidos por todos os padeiros. Há padeiros que não consideram o crescimento da massa mãe. Ainda há outros que não dão importância ao teste da flutuação.

As bolhas é provavelmente o indicador mais utilizado pelos vários padeiros que ouvi/li para reconhecer que o isco está activo.

Na minha experiência pessoal, posso dizer que tenho iscos que não crescem, nem fazem grandes bolhas, mas produzem pães extraordinários.

Concluindo, os 3 indicadores são muito fortes, mas a massa mãe não necessita de reunir os três para estar activa.

O que é normal acontecer neste processo

Pode acontecer uma multiplicidade de coisas, enquanto está a cultivar os seus fermentos. Vamos rever alguns e perceber o que são e se é normal.

Consistência

É normal ao misturar o isco ter uma consistência espessa e depois ficar mais líquida. 

Também é normal a dada altura começar a sentir que o isco está com uma textura esponjosa. Isso significa que está activo!

Cheiro

O cheiro é uma característica muito marcante da massa mãe e normalmente não passa despercebido. Este pode ser semelhante ao cheiro de cerveja, iogurte, queijo, acetona, vinagre, ou até mesmo um cheiro a maçã muito intenso. Todos estes cheiros são normais e podem ocorrer num mesmo isco.

Tenho uma massa mãe, feita à base de trigo, que a dada altura tinha um cheiro a iogurte, passando a queijo leve e acabando em acetona. Faz pão maravilhoso e sem qualquer destes aromas.

Aspecto

A massa mãe pode passar por várias fases de aspecto. Ela pode aumentar de volume logo no primeiro dia e não ter qualquer tipo de desenvolvimento nos seguintes. Não quer dizer que o isco não tenha vingado, que esteja morto. Continue a alimentar, que voltará a ter reacção.

Outra coisa que pode acontecer com a massa mãe é a formação de uma camada de água, à superfície ou numa camada intermédia. Numa fase inicial esta água indica que pode a massa tem humidade demais, por isso, na próxima alimentação deve colocar menos água; pode descartar a água que se forma ou voltar a misturar na massa. Se esta água se formar após activação do fermento, significa que está com fome e precisa de ser alimentado; neste caso, se mantiver esta água, a massa mãe ficará com aroma mais ácido e isso passará para o pão.

É muito comum observarmos um crescimento abrupto da massa mãe, no espaço de horas e um decréscimo imediato. Isto significa que os fermentos estão demasiado activos e consomem o seu alimento muito rapidamente. O que pretendemos é que os fermentos digiram esses açúcares de forma mais lenta e controlada. Se isto acontecer, verifique a temperatura ambiente (ambientes quentes aumentam a actividade dos fermentos), volte a alimentar mantendo a rotina de 24h. 

Como perceber que a massa mãe não está a resultar

Há vários sinais que nos alertam caso a nossa massa mãe não esteja bem, e por isso, devemos desistir do processo se:

  • o cheiro for intensamente desagradável, cheirar a fraldas sujas, ou a podre;
  • ganhar manchas de bolor dentro da massa mãe;
  • ao final de 15 dias não houve qualquer actividade na massa.

Como conservar o fermento natural depois de activo

Depois de activar o fermento, este deve ser conservado no frigorífico e alimentado uma vez por semana ou a cada duas semanas. Se mantiver uma rotina de 1 pão por semana, isso será o suficiente para manter o isco vivo.

Caso esteja várias semanas sem usar para fazer pão ou outra massa, é recomendado que alimente o seu isco com pesos iguais de farinha e água (por exemplo, 50g de farinha e 50g de água).

Como usar o fermento natural em receitas?

Para começar, opte por usar receitas com massa mãe, antes de começar a adaptar outras, como a do blog de pão caseiro com massa mãe (sem amassar).

Se acabou de fazer o seu fermento natural, pode usar directamente na receita.

Se o seu fermento está guardado no frigorífico precisa de refrescar/alimentar. Para isso, deve atentar à quantidade de massa mãe pedida pela receita. Se a receita pede 150g de massa mãe, deve acrescentar 75g de farinha e 75g de água ao isco que tem guardado. Misture e deixe à temperatura ambiente por 8h-12h. Se o isco estiver adormecido (se está há muito tempo no frigorífico) e não obteve reacção dele no espaço de 12h, pode voltar a alimentar e atente à temperatura ambiente para re-activar o seu isco. Assim que activar é só retirar a massa mãe que necessita e guardar o restante no frigorífico até nova utilização.

Algumas receitas para fazer:

 

Referências:

https://www.theperfectloaf.com/7-easy-steps-making-incredible-sourdough-starter-scratch/

https://foodbodsourdough.com/what-is-sourdough-starter/

“Baking School: The Bread Ahead Cookbook” by Matthew Jones, Justin Gellaty & Louise Gellaty.